Como se recicla um edifício? A corrida para averiguar esta questão já começou.

Como se recicla um edifício? A corrida para averiguar esta questão já começou.

Atualmente, todos procuramos formas de reutilizar e reciclar materiais para ajudar o meio ambiente e poupar recursos. O setor da construção não é exceção e as inovações relativamente a formas "circulares" de construir estão a ganhar forma com rapidez. Mas esta nova mentalidade exige aprender uma série de novas habilidades e uma nova abordagem regulamentar, além de uma boa dose de teste-erro.

Published fev-01-2023

Imagine um mundo sem resíduos, no qual se pode reciclar não só os produtos, mas também os edifícios. Talvez esta ideia esteja mais próxima do que aquilo que imaginamos. Perante a emergência climática e a escassez de recursos, empresas, autoridades e particulares de todo o mundo estão a adotar cada vez mais a "circularidade", procurando formas de reduzir o consumo de materiais, através da sua partilha, reciclagem, reutilização e novo uso.

No setor da construção, uma série de testes, projetos-piloto e produtos inovadores está a impulsionar a mudança no sentido de uma abordagem mais circular na forma de construir. Mas a pressão para a mudança também tem aumentado: o ano passado, as emissões de CO2 provenientes da construção e dos edifícios aumentaram até a um máximo histórico de 40% – com as operações de construção a representarem 27% e as infraestruturas e materiais de construção 13%.

"A dimensão destes números equivale à dimensão da oportunidade", afirma Kristin Hughes, Diretora de Circularidade de Recursos do Fórum Económico Mundial. "Mas será como dar a volta a um grande cargueiro. Precisamos de uma alternativa sustentável para cada material e uma solução para gerir cada componente."

O Fórum Económico Mundial está a trabalhar ao longo de toda a cadeia de valor do setor da construção para conseguir ligar os diferentes intervenientes na conceção com a supervisão de empresas mais fortes, eficientes e rentáveis. Para Hughes, como sugere o seu cargo, a circularidade é a chave para o conseguir.

"Quando as pessoas ouvem falar de economia circular, pensam frequentemente que se refere apenas ao meio ambiente, mas vai muito além disso", refere Hughes. "A circularidade é a solução para a enorme pegada do setor, mas também a chave para encontrar novas estratégias empresariais no futuro com recursos limitados".

À medida que a economia circular ganha adeptos, as empresas recorrem cada vez mais a materiais usados e reciclados como o aço, os cabos de cobre e os equipamentos elétricos.
À medida que a economia circular ganha adeptos, as empresas recorrem cada vez mais a materiais usados e reciclados como o aço, os cabos de cobre e os equipamentos elétricos.

A necessidade impulsiona a inovação

No Reino Unido, Hughes citou um caso em que a Covid-19 se tornou o catalisador do pensamento circular. Durante a pandemia, as interrupções e os atrasos na cadeia de fornecimento fizeram abrandar o negócio de uma consultora mundial de engenharia e desenvolvimento. Por esse motivo, a empresa em vez de esperar receber materiais como aço, fio de cobre e equipamentos elétricos, começou a procurar alternativas usadas e recicladas a nível local.

"Teve tanto sucesso que agora estão à procura de formas para regulamentar esta abordagem e reproduzi-la, para melhorar a sua rentabilidade e sustentabilidade", afirma Hughes.

Aprendizagem circular

"Definitivamente, a mentalidade está a mudar", assinala Jean-Paul Bourgeat, Vice-presidente Sénior do Negócio de Modernização Global da KONE. Afirma que para a KONE, o movimento em direção à circularidade gerou novas associações, ao mesmo tempo que a empresa co-inova em termos de novos processos e modelos.

"A reciclagem existe há anos", afirma Bourgeat. "Agora a questão é como passamos para uma economia circular madura, na qual novas formas de desmontagem e reutilização de materiais seja possível, tendo em conta que a reutilização de um componente, evita ter de produzir um novo".

Uma das questões que necessitamos resolver é que a simples reciclagem de um equipamento velho ou de parte de um edifício pode não ser tão vantajoso para o meio ambiente como pode parecer à primeira vista.

"Por exemplo, se for necessário um grande número de camiões para transportar os materiais a reciclar, é evidente que esta ação se repercute na pegada de carbono", explica Bourgeat.

"A resposta centra-se provavelmente numa abordagem reutilização-reparação-reciclagem", acrescenta.

A Ópera Nacional de Lyon optou por uma abordagem circular para modernizar os cinco elevadores do edifício.
A Ópera Nacional de Lyon optou por uma abordagem circular para modernizar os cinco elevadores do edifício.

Um projeto-piloto recente na Ópera Nacional de Lyon é um bom exemplo. Este escaparate arquitetónico de 18 andares, coroado por um enorme teto curvo de vidro e construído para acolher 1500 espectadores, contava com cinco elevadores que estavam a chegar ao fim da sua vida útil.

Ao trabalhar em colaboração com a Ópera e com os agentes de abastecimento locais, a equipa da KONE pôs em marcha um processo histórico de desmantelamento e substituição. Os elevadores antigos foram meticulosamente desmontados, com 100 componentes identificados para possível reutilização e com o princípio de excluir os componentes que afetam a segurança.

Durante os ensaios da ópera e as atuações em direto, a equipa recolheu à mão e desmontou materiais que incluíam desde lâmpadas ornamentadas e quadros elétricos até mais de três quilómetros de cabos.

Em condições normais, cada um destes componentes teria sido descartado como resíduo, muitos destes foram selecionados para uma possível segunda vida e foram colocados à venda para profissionais dos setores imobiliário e da construção, entre outros.

As soluções digitais estão a ajudar a criar mercados para os componentes recuperados e estamos a trabalhar para garantir a rastreabilidade dos materiais.
As soluções digitais estão a ajudar a criar mercados para os componentes recuperados e estamos a trabalhar para garantir a rastreabilidade dos materiais.

Adequação da disponibilidade de material à respetiva procura

Kristin Hughes, do Fórum Económico Mundial, colabora com uma start-up que desenvolve soluções digitais para criar mercados de recursos reciclados, como os materiais resgatados na Ópera de Lyon, fazendo corresponder a procura dos clientes com a disponibilidade de recursos.

Tanto Hughes como Bourgeat concordam que para que a economia circular tenha verdadeiro sucesso, os materiais devem ter rastreabilidade, de forma a garantir que os compradores sabem de onde provêm e a distância que viajaram.

Os chamados "passaportes de materiais digitais", que recolhem e armazenam informações sobre os materiais de construção, já se encontram em fase de desenvolvimento e poderão incluir tecnologia RFID para rastrear todo o ciclo de vida de um determinado produto. Com isto também se pretende aumentar o interesse da indústria por estes materiais usados.

O objetivo da circularidade é maximizar a vida útil dos edifícios, ao mesmo tempo que se aborda o problema do sobreconsumo e da crise climática.
O objetivo da circularidade é maximizar a vida útil dos edifícios, ao mesmo tempo que se aborda o problema do sobreconsumo e da crise climática.

Policy to boost progress towards circularity

Por outro lado, Hughes adverte para o facto de que os responsáveis políticos nem sempre acompanham o ritmo dos avanços da indústria no sentido da circularidade. Esta refere o exemplo do cimento, que representa uns consideráveis 8% de todas as emissões de materiais de construção.

Neste sentido, Hughes explica o caso de um fabricante de materiais de construção que desenvolveu um cimento reciclado, que funciona até melhor do que o cimento novo, com uma pegada consideravelmente menor. O problema é que, apesar de a empresa se abastecer de cimento usado na Alemanha, Áustria e França, as restrições legais desses países fazem com que o produto reciclado só possa ser vendido na Suíça. "Por isso a empresa fica com todo esse cimento reciclado à espera que a legislação seja atualizada", lamenta Hughes.

Entretanto, Bourgeat considera que o setor da construção avança por outros caminhos: "Já podemos ver a forma como está a mudar a mentalidade relativamente ao desmantelamento e reconstrução, que custa muito mais a partir do ponto de vista do carbono, em relação à de renovação, remodelação e reutilização, e vemos que os nossos clientes avançam nesta direção connosco".

Embora as infraestruturas, os processos e a regulamentação necessários para uma economia circular completa possam estar ainda muito distantes, a direção da viagem está clara e muitos elementos estão já no seu posto para a transição para a circularidade. Os novos elevadores da KONE, por exemplo, são maioritariamente construídos em metal, o que significa que 90% dos componentes tem já potencial para reciclagem ou reutilização.

Hughes pretende imaginar um futuro no qual 100% dos produtos possam voltar aos seus fabricantes no fim da sua vida útil para serem reprocessados e no qual os modelos de negócio sem materiais maximizem a vida útil dos edifícios, ao mesmo tempo que abordam o problema do consumo excessivo e ajudam a resolver a crise climática.

"Às vezes, as soluções mais simples estão mesmo diante de nós", afirma.

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